Eu
não tenho aqui a pretensão de falar o que você quer ler. Eu tenho
simplesmente a pretensão de expressar a dor sob a minha leitura da vida.
Eu não tinha o desejo ferrenho de ser mãe. Mas eu sou. E fui mãe velha.
Tenho um menino de quase quatro anos e uma menina de quase dois meses.
Tenho 41, portanto tenho idade suficiente pra ser mãe da grande maioria
das pessoas que foi assassinada no dia 27 de janeiro de 2013. Sim,
assassinadas. Crime premeditado. E como sabiamente a amiga de uma amiga
disse: NÓS SOMOS TODOS CULPADOS, assim como os donos da boate, os
músicos, as autoridades. E que fique claro aqui que cada pai e cada mãe
vão carregar consigo a culpa por não ter impedido seu filho de sair
naquela noite. E aquele que conseguiu não vai se vangloriar, mas
respirar aliviado. Porque dormir sossegado nunca mais. Aliás, pai e mãe
não dormem. Se você conhece alguma mãe que dorme com os dois olhos
fechados, é uma pessoa em um milhão. E é nisso que venho pensando desde
então. Cada vez que afofo um dos meus filhos, limpo a bunda, acalento,
dou uma bronca, cheiro o pescoço, faço mamadeira, espremo o hipoglós,
penso nesses mais de duzentos pais. Quantas vezes eles fizeram o mesmo,
quanto aconchego, quanta cama mijada, quanta lista de material, quanto
desenho indecifrável, quanta nota alta na escola, quantas vezes
implicaram com os namorados (as). Se um filho soubesse quantas vezes a
gente verifica a respiração deles quando são bebês, viraria mais os
chinelos. Visita a avó, dá beijo naquela tia, limpa essa boca, não fala
palavrão, leva no show, compra o tênis, diz o não, come essa comida,
quem é esse guri, porque tu não vai com tua prima, larga esse videogame,
passou na federal, tu usa camisinha, puxou teu pai, leva casaquinho,
não gosto dessa tua amiga, tenta pegar o buquê, que calça feia, nossa
como tu tá lindo... E por aí vai! Que dor do cacete e sem fim. A vida
continua, mas essa gente não se recupera. Eu vi minha avó morrer em vida
quando enterrou meu tio! Não é a ordem. Os velhos morrem antes, mas os
bons morrem jovens. Explica isso pra mãe do menino que entrou quinze
vezes naquela câmara de gás pra salvar gente e depois se foi. Como
simpatizo com o Espiritismo tendo a acreditar que eles tinham um pacto,
que desencarnariam todos juntos. Fico imaginando o alívio que sentiram
ao sair do sufocamento e, subirem juntos a ladeira da Rua dos Andradas,
ao encontro da luz. E que agora estão sendo tratados, em um lugar de
temperatura amena e com vestes leves. Que estão sorrindo, mesmo sem
diploma. Mas eu não sou a mãe deles. Fácil falar. Mesmo assim chorei.
Chorei ao saber das histórias, ao ver os rostos. Segura um desses em
casa no sábado à noite, com os hormônios saindo pelo branco dos olhos.
Com as promessas de festas e muito beijo na boca. Segura, quero ver!
Quisera que aquela manhã de domingo jamais tivesse acontecido. A gente
tem a tendência a acreditar que tudo acontece longe. Tiroteio em escola,
11 de setembro, maluco na Noruega. Aqui foi fruto da imprudência, filho
da propina, sobrinho do jeitinho brasileiro, primo da negligência. E
nada do que falarmos ou fizermos vai trazer um destes 236 jovens de
volta. Beije seu filho, seu sobrinho, o filho do seu amigo. Ele pode não
ter direito ao amanhã. E por favor, doe sangue mesmo que não
testemunhemos mais nenhuma tragédia. Amanhã posso ser eu, pode ser você.
Que este soco no estômago sirva de lição para que aprendamos a
prevenir. E da próxima vez que viajar de avião, preste atenção às
instruções de segurança.
Santa Maria da Boca do Monte – rogaremos por vós.
02 de fevereiro de 2013.
Santa Maria da Boca do Monte – rogaremos por vós.
02 de fevereiro de 2013.
Melissa Vargas
Não li quando o link foi publicado no Face, mas deixei no "to-do list". Fantástico o texto (elogio despido da relação sanguínea, juro). Foi muito chocante, está sendo muito chocante, e ainda o será. Como disseste, que sirva de lição, a todos nós.
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