quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dor


Eu sinto uma saudade infinita, sem fim e nem começo, saudade que insiste em inundar meu peito, se o mundo acabasse penso que estaria livre dela, dor tão doída que me assola, pensamento egoísta o meu eu sei, então o que resta é ficar por aí me anestesiando com coisas bobas e incompletas.

Ah como eu queria um alívio imediato para quando esse desespero que deságua pelos meus olhos batesse em minha porta  eu sentisse menos ou não sentisse nada.

 Ttroco essa dor pelo desamor, troco essa dor pelo dissabor, troco essa dor pela maior dor de não ser.
(Fabiana Leivas )

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Lá e cá


É estranho quando você não consegue mais acreditar que será melhor sozinho.
Quando aquele sorriso doce flerta com o travesseiro,
quando aquele olhar macio se mistura com os lençóis, e as respirações se aproximam.
Quando é mais gostoso passar a noite esperando o dia.

Não que isso seja um sentimento ruim. É estranho, mas confortável.
Soa como voltar para casa depois de uma longa viagem.
Você gostaria de estar nos dois lugares ao mesmo tempo.
Tanto lá, como cá.

O problema é pensar demais antes de agir. Temer a razão.
Querer isso e fazer aquilo. Fazer isso e querer aquilo.
Quem teme a razão, suprime a emoção.
Então você se tranca entre tudo o que é, e o que poderia ser.

Cansei de passar por isso.
De ficar assistindo o inverno por janelas embaçadas.
Esperar o final da história não satisfaz uma alma inquieta.

Não conseguiria escrever um livro,
mas sou capaz de viver um romance.
Com areia, sol e mar,
e uma vida inteira para viver em par.

(Vinni Biazzus)

Beijo aos 42

- Amor?
- Fala.
- Acordei pensando...
- Bom, bom. Sinal de que meu dia correrá sem grandes percalços.
- É sério, presta atenção. E se o mundo acabar?
- Puff, acabou. Me passa a geleia.
- Sério, presta atenção! E se ele acabar?
- A geleia, presta atenção você!
- Eu nunca visitei um templo budista na Ásia, daqueles bem suntuosos.
- Você não visita nem teus afilhados, que história é essa de templo budista?
- Dia 21 está chegando, tanta coisa que eu não fiz.
- Começa vestindo uma camiseta, já te pedi trezentas vezes para não tomar café da manhã só de samba-canção. Já imprimiu o boleto que te pedi?
- Amor, você está se diminuindo perante a grandeza da possibilidade de tudo que conhecemos acabar no dia 21!
- E você está esquecendo de se servir de leite, não vou tirar a nata.
- O que você faria se soubesse que o mundo estava prestes a acabar?
- Com quanto tempo de antecedência?
- Não importa.
- Claro que importa!
- Tá, vá lá... Uma semana.
- Filmava a gente transando e jogava na rede.
- Tá louca?
- Ué? Não vai acabar mesmo? Jogava tranquilamente. Sempre quis ser pivô de um escândalo sexual. Fazia tudo que fizemos nas bimbadas do primeiro ano de casamento.
- Façamos agora!
- Nem pensar, minha depilação está marcada para amanhã.
- O quê mais?
- Dois dias antes, ia numa boate gay. E você iria junto.
- Pra quê?
- Pra, quem sabe, você beijar um homem com gosto.
- O quê? Nunca quis beijar um homem!
- Explica isso pro papai, até hoje ele não entendeu aquele selinho quando você estavam assistindo a final do campeonato, com aquele gol aos 42 do segundo tempo. Aliás, ele pediu pra avisar que ele e mamãe não estarão na cidade para o Natal. Nem no Ano Novo. E pediu que só as crianças e eu os visitemos daqui pra frente.
- Se o mundo não acabar, tentarei esclarecer isso com ele. Voltando ao assunto: que você acha de irmos todos, as crianças inclusive, para um sítio esperar o Apocalipse?
- Acho que você está querendo desculpa para bandalheira. As crianças vão para a praia com a Déia, e nós temos Natal e Revéillon para planejar.
- E se não passarmos do 21?
- A gente cozinha tudo o que tem em casa rapidamente e morre de indigestão, pode ser? Melhor que morrer de indigestão com o infeliz do salpicão com que tua mãe insiste em agredir as pessoas.
- Eu nunca pulei de para-quedas...
- Se não acabar teu café logo, vai ter que pular de para-quedas na empresa; esqueceu da tua reunião? Apocalipse vai ser teu chefe gritando no teu ouvido. Vai trabalhar, Teodoro! E não esquece de trazer amaciante na volta!

(Diego Vargas)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

MORRE MAS A GENTE VIVE

Olha, já foi mais assustador. No início, quando eu andava por este cemitério à noite, se caísse um graveto no chão era capaz de eu me mijar nas calças. Aliás, aconteceu uma vez. Não seguro mais o xixi, vou no banheiro na primeira oportunidade. Mas não por isso, é porque não faz bem. A gente tem que aprender com as merdas que acontecem, né? Me mijei, minha mãe me deu uma bronca, dizendo que eu ainda ia baixar hospital por prender demais, aprendi.

Peguei esse emprego depois que ela adoeceu. Minha mãe, véia esperta, de bom coração. Bom no que ele te dá, mas ruinzinho no trabalho. Bate meio destrambelhado, ela não pode fazer muito esforço. Sempre moramo aqui na frente, era ela a responsável por cuidar dos túmulos. Sempre cuidou bem. Mas ela não é essas pessoa negativa, que vive em função da morte. Sempre amou a vida. Por isso que cuidava daqui. Já é lugar pesado, o povo acredita nas alma penada. Minha mãe nunca acreditou. Sempre ensinou que a gente tem que ter medo dos vivo, não dos morto. Então embelezava, limpava tudo, cuidava das flor. Sempre foi um cemitério muito bonito, bem cuidado.

Pai? Sei quem é não. É filho-da-puta, isso eu sei. É não, foi. Minha mãe nunca me disse quem era, eu respeito. Foi a única pessoa que algum dia conseguiu tirar o sorriso da cara dela. E quem machuca uma pessoa tão boa tem mais é que se estrepar mesmo. Só sabia que ele tinha morrido de bala nesse mundão. Nem faz falta. Mas ela foi pai e mãe. De um só filho, tenho irmão não. Ganhava pouco aqui no cemitério, mas era empregada querida da prefeitura, pelo zelo. Era enrabichada do outro coveiro, que trabalhava aqui antes de mim. Só falava por telefone com ele, sujeito bom. Só deixei claro que se fizesse malvadeza com minha mãe, ia se fuder na minha mão. Nunca mijou fora do penico, ainda bem.

Recebi a carta de minha mãe dizendo que tava doente. Acho que foi a morte do coveiro que adoentou o coração dela. Eles se gostavam. Ela gostava de vida. E quem gosta da vida não gosta de ficar sozinho, de não ter com quem conversar. Depois que fui embora atrás de dinheiro, a veia ficou bem com ele. Se cuidavam, se gostavam. A véia ficou mal, sem mais família no mundo, voltei pra cuidar. Acho que ela não vai muito longe, mas tá bem, tá em paz. Diz que viveu bastante, viveu bem, foi feliz. Isso que importa, olhar pra trás e sentir paz.

Tive família sim. Lá eu trabalhava em metalúrgica, tinha casa minha, vida até que boa, dá pra reclamar não. Mas um dia minha Linda... Era linda mesmo, não só no nome. Minha Linda e o garoto tavam no banco, deu assalto, tiroteio. Nunca contaram de que lado veio a bala que matou. A bala, uma só. Minha Linda escondeu o Júnior atrás, a bala atravessou e matou os dois. Nem quis saber, o que me importava é que minha Linda e Juninho tinham ido, dane-se quem matou. Pelo menos pra mim, pouco importa. Foi selvageria, foi violência, foi muita bala. Morreu mais gente. Pra mim foi dor fudida. Dor de perder filho é ruim, viu? Continuei trabalhando, pra sobreviver. Fiquei triste por demais. Triste por quatro mês, só. Tragédia nunca vem sozinha. Morreu os dois, morreu o coveiro, chegou a carta. Vim acudir mamãe.

Hoje tem só eu de funcionário. O prefeito me paga o que o coveiro e a servente ganharia, se eu prometesse cuidar. Mamãe dá as dica, eu faço. É legal cuidar de flor, é legal botar cor nas coisa. Dá alegria nas vista. Mamãe tá lá em casa, eu trabalhando aqui. Mas ela tá feliz, vê a tevezinha dela e conversa bastante comigo. Sabe me aliviar a dor da falta da minha Linda e do Juninho. Tenho pouca folga, vou passear pelos campo aí pra desanuviar a cabeça. Sô novo ainda, dá pra fazer mais família. Mas agora quero não. Embelezar e cuidar bem da dor dos outro aqui me ajuda a diminuir a minha. Mamãe também ajuda, mas sei que ela não vai ficar pra sempre. Sem ninguém, vim cuidar dela, pra que o resto de vida dela seja bonito. Ela sempre fez da vida uma coisa bonita, sempre me ensinou umas coisa que deixa o coração feliz. Sempre me ensinou que a vida é bonita, mas a gente tem que enxergar beleza. E sempre me diz, depois da minha tragédia: “Filho, tu perdeu gente que tu ama. Mas num perdeu tu mesmo.”

(Diego Vargas)

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Desencontrados

Eles não se viam há muito tempo, mas aquele reencontro casual no elevador, despertou nela sensações  raras, que não a visitavam desde os poucos momentos em que estiveram juntos. Sentimentos que tomaram seu corpo de uma maneira intrigante. Ela estremecera por instantes, inquieta.

Tão inquieta que se fez perceber, e fez o que talvez não deveria ter feito.

Nessas situações, quando se dá o primeiro passo é dificil retroceder, sentimentos primitivos, fortes e viscerais, muitas vezes quase incontroláveis..

Depois disso, retomaram o contato, primeiramente de forma virtual, (ahh essa modernidade), mas mesmo assim pareciam estar um na frente do outro, ou melhor, um dentro do outro.

Fogo, tesão, boca, língua, saliva, cheiro...o sexo pelo sexo, sem amor e nem amizade, essa experiência a estava deixado louca e excitada.

Ela sempre foi uma mulher cheia de fantasias eroticas, gostava de seduzir e de ser seduzida, isso para ela era quase um tônico para o seu corpo e sua alma..Sim !! teve muitos amantes e amores na vida, mas este homem, particularmente, a intrigava mais, não sei se pelo fato de que nunca o teve ou pela simples arte de seduzir, com um novo cenario e novos personagens, em uma nova situação nunca vivida antes...Afinal, ela havia  amadurecido, conhecia mais os homens, conhecia mais a vida, conhecia o amor com suas dores, cores e realidade...

Resolveu então dar mais um passo, precisava tê-lo, sentir sua pele, seu gosto seu cheito.. Estava derretendo

Não era uma pessoa convencional.

Gostava de lugares exóticos, diferentes, inusitados, detestava o óbvio e esse encontro exigia algo mais, pelo menos para ela, e isso no momento era só o que interessava, o "SEU " prazer.

Escolheu então um Hotel Antigo, no centro da cidade, haveria lugar melhor para a "cena do crime"?

Marcado o encontro.

Era uma quinta-feira de julho, fazia muito frio, mas seu corpo pegava fogo, resolveu tomar o caminho à pé, assim talvez sua ansiedade desaparecesse.

Ansiedade sim, estava com medo, medo da decepção, afinal eram tantas as expectativas e fantasias e medo do sublime, não sabia o que seria pior,  gostava de correr riscos.

Chegou ao Hotel uma hora antes do combinado, queria se preparar, preparar o ambiente, pediu a chave do quarto a recepcionista, sentiu um frio na barriga, vertigem

Quarto 51, uma cama antiga,  com lençois limpos mas gastos, uma poltrona vermelha no canto diretio perto da janela, uma comoda e um espelho que refletia imagens distorcidas, um cenário quase perfeito, faltavam apenas os personagens.

Entao tirou o casaco de lã que vestia, aliás havia se vestido especialmente para a ocasiao,  linda numa lingerie preta, com uma cinta liga e meias ⅞, resolveu colocar uma bota, afinal homens tem fetiches por botas e por cima colocou um vestido preto  e o casaco de lã que escondia toda a sua intenção.

Levou uma garrafa de vinho, velas e duas taças.

Caminhou até a janela, escurecia lá fora, o neon da fachada do Hotel refletia no vidro.

Abriu a garrafa de vinho e a dúvida se ele apareceria ou não começou a tomar conta de sua mente, sentiu-se desconfortável.

Será que valia a pena, será que aquele homem corresponderia à sua fantasia.

De súbito lhe bateu uma vontade de desparecer, de sumir, de nunca saber na verdade como seria o que ela tanto queria.

Estava louca, que desatino.

Virou num gole a taça de vinho.

Colocou o casaco de lã, saiu batendo a porta.

Enterrou naquele quarto de Hotel sua fantasia.

Se sentiu mais forte do que nunca. Não precisava disso, bastava o que guardava na sua imaginação, fantasias são para romances.

Sua vida era real, bem real.


Fabiana Leivas

Latente

Despertei com a quentura dos raios solares que violavam aquela maldita e horrorosa persiana, torrando minha nuca. Despertei mas, de início, não abri os olhos. Me recusava a abrir os olhos. A encarar a realidade, a verdade do meu crime. O assassinato da minha dignidade. Mas já que amor próprio faltava no recinto mesmo, abri os olhos. Lá estava ele, a dez centímetros de mim. Dormindo, e mesmo que sem sorrir, eu enxergava no semblante que sonhos triunfantes, provavelmente lúgubres, embalavam aquele sono vitorioso, de quem, mais uma vez, conseguiu o que queria. Conseguiu, com seu canto de sereia, seu DVD do Ben Harper, seu scotch 12 anos e seu sofá macio, me comer de novo.

É sempre assim: me rendo à carência, entre uma sitcom água-com-açúcar e um balde de pipoca, e disparo o telefonema. A primeira chicotada, o açoite inicial dos quatro dias de luxúria e sofreguidão. O primeiro de luxúria, e o resto de sofreguidão. É sempre um “Oi!” que me cumprimenta, é sempre um “Quanto tempo!” que me violenta. Violenta mesmo, eu sou masoquista. Segue-se um bom banho, uma escolha esmerada de looks e cheiros, e a certeza, que depois prova-se infundada, de que estou a caminho da diversão.

Amor de pica, quando bate fica. Verdade universal. Certeza inconteste. Como o sol surgindo no leste. São sempre drinks em algum boteco, alheios ao entorno. Duas pessoas, quatro, por vezes seis, chopes, e uma vontade: siri na toca. Frenético, suado, desesperado. Mas antes tem que conversar, para dar um pouco de civilidade aquele chamado da natureza. Não, é chamado da virilha, mesmo. Estou pouco me fodendo se teu chefe é um merda, se teu time ganhou “daqueles prega-frôxa” (o português paupérrimo povoa minha ressaca pós-foda, não devo jamais esquecer isso). Estou pouco me fodendo o que te fode. Quero que me fodas, só.

Vamos pedir a conta?” é a deixa. Para a cena final do primeiro ato dessa minha ópera, que cismo em encenar. Já sei que o scotch vai ficar pela metade, que o DVD só será assistido até não mais que o oitavo minuto e que aquele sofá vai ser bastante amaciado. A fodelança começa no sofá, com ângulos que fariam uma estrela pornô enrubescer. E é bom, ai, como é bom. A grande derrocada da saúde afetivo-emocional reside na total impotência deste perante uma boa trepada. Entre cálidos gemidos não se enxerga vindouros perigos. Não se enxerga nada, e se sente tudo. Se absorve, da pele para a alma. Alma que sempre lavo naquele chuveiro delicioso, para depois sujar novamente ali mesmo no chuveiro, e depois lavar novamente para sujar de novo naquela cama. Cama? Altar de sacrifício, meu sacrifício aos deuses da carne fraca.

Carne fraca e consumida pela culpa. Consumida e torrada pelos raios que me despertam, cutucando-me a nuca. Raios que só afagam o filha-da-puta, que dorme placidamente depois de me abater. Me devorar, me aniquilar. Bandido dissimulado, galinha, e que tão bem me come. Que jamais atenderá um telefonema meu nos próximos 30 dias, porque “o banana do meu chefe está me matando de tanto serviço”. Mas que me cutuca no Face, para depois me cutucar com o pinto. Pinto esse que aponta para mim, feito um perdigueiro diante da ave abatida, assim que passa o período de afastamento compulsório. Porque furar pode, baixar a guarda jamais.

Oito e meia? Caralho! Meu chefe vai foder comigo. Não tão bem quanto este merda aqui. Por isso, apesar de saber que isso nunca vai dar em nada, deixo o bilhete: “Adorei a noite, vamos nos falando”, sabendo que aquelas letras são pás de terra que sepultam meu amor próprio; são o epitáfio da minha dignidade. Que meu anjo da guarda me proteja, para que num próximo acesso de carência, vendo casais felizes de sitcoms açucaradas, eu resolva tudo no banho mesmo e me poupe desta palhaçada. Molhada, apimentada, deliciosa e orgástica palhaçada.

Diego Vargas

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

É PARA SEMPRE

A dor da perda de alguém. O “nunca mais”. Frio, sem fundo, e definitivo. Talvez a dor que o ser humano melhor saiba dissecar, que o digam os escritores, os músicos, os desconhecidos que puxam papo conosco... E o propósito destas linhas é dissecar uma perda mesmo.

A perda de um familiar é uma situação deveras específica. Cada família tem a sua dinâmica, as suas afinidades particulares (brigas igualmente); mas família a gente não escolhe. Família é multiformatos, cada um tem o seus conceitos de “família” e “parentes”, cada perda depende de cada relação, de cada... família. Já perdi familiares amados, sei como cada dor foi. Mas o que perder um tio foi para mim, por exemplo, pode não ser a mesma coisa para você. Vamos largar a hipocrisia e confrontar a verdade: amor incondicional é só de pais para proles, e ainda assim há exceções. Não vou me arriscar, por absoluta ignorância, na questão da perda de um filho. Vi com uma de minhas avós (que já não está mais aqui, aliás) o quão devastador isso pode ser. Mas se não sei o que é ter um filho, não tenho sequer como me aproximar do que venha a ser perder um.

Amor é um assunto mais complicado; eu acho que é como um sequestro, que só vai em frente, quando vai, devido à Síndrome de Estocolmo. Nos apaixonamos por quem nos raptou (e que tão bem sabe apertar nossos botões, na sequência correta). Portanto, recuperar-se da perda de um é processo particular. Mal ou bem, a gente acaba arranjando outro, se quiser. Fica um buraco no peito, pode ser que nunca mais se ame da mesma forma; tenha falecido ou não, um amor perdido deve ser tratado como tal, em nome de sua própria saúde. Amor envolve sexo, suor, lágrimas e juras infinitas. Com tanta troca assim, cada um processa a perda como quiser: manifestações artísticas, farras etílicas, “passadas de rodo” históricas, isso e muito mais, e tudo regado a muito chocolate.

Agora, perder um amigo... Quem perde um amigo, perde um universo (de regras particulares, diga-se). Porque amizade verdadeira também começa com um “Big Bang”. Essa eclosão, esse momento de gênese, pode ser um brinde entre duas tulipas de chope geladíssimo, pode ser uma gargalhada conjunta depois de um comentário extremamente irônico no local de trabalho, pode ser tanta coisa... Já disse Aristóteles: “Amizade é haver uma alma em dois corpos”. A amizade fraterna envolve um pouco daquela química da paixão, só que (a princípio, “cadum cadum”) sem o sexo. É um encaixe de alma. Um encaixe que, como disse acima, constrói um universo. E são vários universos, feito um multiverso, que perfazem o que chamamos de “roda de amigos”. Uma roda de liberdade, troça, um pouco de anarquia e muito carinho. Quem já morou longe de sua terra sabe o quão família uma roda de amigos pode se tornar. Com o tempo, aprendemos quem são os nossos reais amigos (em especial quando os ventos não são favoráveis; aí sim separamos o joio do trigo).

E perder um amigo, principalmente um irmão de alma, é perder o lado físico de algo que você construiu a quatro mãos, em igualdade de condições, sem hierarquias e sem obrigações pré-existentes. Uma convivência voluntária e pacífica que, em seu mais metafísico aspecto, foi um produto do acaso. Facilitado por circunstâncias, pode ser, mas que foi uma colisão de vidas. Somos sete bilhões de cabeças neste planeta, quase duzentos milhões só em nosso país. Criar um verdadeiro vínculo de amizade é, acima de tudo, uma bênção. Família em primeiro lugar, ao menos para mim; amor tem o seu próprio lugar (conforme o desenrolar, claro). Mas amizade, essa sim, é “o” lugar. Lugar de rir, chorar, beber, dar Coca-Cola quando a coisa pegar, dar bronca, dar dica, comprar briga, ganhar visão de mundo e, acima de tudo, aproveitar a vida.

P.S.: Ainda bem, não perdi nenhum grande amigo recentemente. Mas um amigo querido acaba de perder um amigo-irmão, e é para ambos que dedico estas palavras. Além de dedicá-las ao “figuraça” Maurício, irmão de alma que, há sete primaveras, está zoando com todo mundo em alguma nuvem, alguma estrela lá em cima; e que para sempre será lembrado como alguém que veio aqui para mostrar que é alegremente que se leva a vida.

Diego Vargas