terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Latente

Despertei com a quentura dos raios solares que violavam aquela maldita e horrorosa persiana, torrando minha nuca. Despertei mas, de início, não abri os olhos. Me recusava a abrir os olhos. A encarar a realidade, a verdade do meu crime. O assassinato da minha dignidade. Mas já que amor próprio faltava no recinto mesmo, abri os olhos. Lá estava ele, a dez centímetros de mim. Dormindo, e mesmo que sem sorrir, eu enxergava no semblante que sonhos triunfantes, provavelmente lúgubres, embalavam aquele sono vitorioso, de quem, mais uma vez, conseguiu o que queria. Conseguiu, com seu canto de sereia, seu DVD do Ben Harper, seu scotch 12 anos e seu sofá macio, me comer de novo.

É sempre assim: me rendo à carência, entre uma sitcom água-com-açúcar e um balde de pipoca, e disparo o telefonema. A primeira chicotada, o açoite inicial dos quatro dias de luxúria e sofreguidão. O primeiro de luxúria, e o resto de sofreguidão. É sempre um “Oi!” que me cumprimenta, é sempre um “Quanto tempo!” que me violenta. Violenta mesmo, eu sou masoquista. Segue-se um bom banho, uma escolha esmerada de looks e cheiros, e a certeza, que depois prova-se infundada, de que estou a caminho da diversão.

Amor de pica, quando bate fica. Verdade universal. Certeza inconteste. Como o sol surgindo no leste. São sempre drinks em algum boteco, alheios ao entorno. Duas pessoas, quatro, por vezes seis, chopes, e uma vontade: siri na toca. Frenético, suado, desesperado. Mas antes tem que conversar, para dar um pouco de civilidade aquele chamado da natureza. Não, é chamado da virilha, mesmo. Estou pouco me fodendo se teu chefe é um merda, se teu time ganhou “daqueles prega-frôxa” (o português paupérrimo povoa minha ressaca pós-foda, não devo jamais esquecer isso). Estou pouco me fodendo o que te fode. Quero que me fodas, só.

Vamos pedir a conta?” é a deixa. Para a cena final do primeiro ato dessa minha ópera, que cismo em encenar. Já sei que o scotch vai ficar pela metade, que o DVD só será assistido até não mais que o oitavo minuto e que aquele sofá vai ser bastante amaciado. A fodelança começa no sofá, com ângulos que fariam uma estrela pornô enrubescer. E é bom, ai, como é bom. A grande derrocada da saúde afetivo-emocional reside na total impotência deste perante uma boa trepada. Entre cálidos gemidos não se enxerga vindouros perigos. Não se enxerga nada, e se sente tudo. Se absorve, da pele para a alma. Alma que sempre lavo naquele chuveiro delicioso, para depois sujar novamente ali mesmo no chuveiro, e depois lavar novamente para sujar de novo naquela cama. Cama? Altar de sacrifício, meu sacrifício aos deuses da carne fraca.

Carne fraca e consumida pela culpa. Consumida e torrada pelos raios que me despertam, cutucando-me a nuca. Raios que só afagam o filha-da-puta, que dorme placidamente depois de me abater. Me devorar, me aniquilar. Bandido dissimulado, galinha, e que tão bem me come. Que jamais atenderá um telefonema meu nos próximos 30 dias, porque “o banana do meu chefe está me matando de tanto serviço”. Mas que me cutuca no Face, para depois me cutucar com o pinto. Pinto esse que aponta para mim, feito um perdigueiro diante da ave abatida, assim que passa o período de afastamento compulsório. Porque furar pode, baixar a guarda jamais.

Oito e meia? Caralho! Meu chefe vai foder comigo. Não tão bem quanto este merda aqui. Por isso, apesar de saber que isso nunca vai dar em nada, deixo o bilhete: “Adorei a noite, vamos nos falando”, sabendo que aquelas letras são pás de terra que sepultam meu amor próprio; são o epitáfio da minha dignidade. Que meu anjo da guarda me proteja, para que num próximo acesso de carência, vendo casais felizes de sitcoms açucaradas, eu resolva tudo no banho mesmo e me poupe desta palhaçada. Molhada, apimentada, deliciosa e orgástica palhaçada.

Diego Vargas

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